O que eu tenho para te dizer
Com o
fim das férias, Setembro. Para trás as manhãs manhãs e os fins de tarde na
praia. O sossego das praias longe da cidade, dos prédios, de toda a confusão da
qual queríamos fugir. Na tranquilidade da areia branca e fina a leve brisa do
vento afastava-me de qualquer lugar, mesmo dali. Nesse torpor das palavras
silenciosas da natureza adormecia. De manhã acordavas-me quando o sol já era
forte e íamos para o apartamento almoçar. Depois adormecias e sentava-me a ler
uma revista ou, simplesmente, a pensar em qualquer coisa. Por vezes, quando era
preciso, ia ao supermercado. Não tínhamos televisão, ainda bem. Líamos o jornal
para saber as notícias, chegava. Nas férias preciso de fugir de tudo, mesmo de
tudo, incluindo todas as coisas que só me fazem perder tempo. Enquanto dormias
a sesta pensava em como deveria dizer-te o que tanto preciso contar-te, se, até, deveria contar-te nestas férias ou só depois? Mas quando
acordavas ligavas logo o portátil e consultavas o e-mail da empresa. E ficavas ali um tempo a responder. E eu. Já não dizia o que te queria dizer. Voltávamos para a
praia quando o sol já não era forte, quando a temperatura era agradável, morna.
Este verão a temperatura
da água estava maravilhosa. Nadámos muito. Um ou outro dia convidámos alguns
amigos para vir ter connosco, outras vezes, fomos ter com eles. Em todas as
viagens de carro telefonaram-te da empresa. Atendias com o telemóvel ligado ao
sistema de som do carro e eu ficava, assim, a ouvir todas as coisas que não
percebo e que tu fazes no teu emprego. Talvez um dia venha a perceber alguma
coisa. Nos fins de tarde, antes de irmos para casa, passávamos por um café ou
um bar qualquer à beira da praia, e ficávamos ali sentados a ver o pôr-do-sol,
tu, sempre com um cocktail, eu, sempre com um sumo fresco daqueles tipo
tropical. Nos primeiros dias ligavas-te à internet através do
telemóvel usando o plafond da empresa mas rapidamente gastaste o tráfego a que tens
direito. Nos dias seguintes, sem saberes, eu tentava sempre levar-te para um
bar sem wi-fi, porque quanto te ligavas à internet possuía-te
uma obsessão e não me ligavas nenhuma. Não conversávamos e pouco nos
olhávamos, tu, sempre com a cabeça inclinada para baixo como se as férias não
se passassem ali. Ainda te enganei nos primeiros dias mas depois começaste
a seleccionar os bares com wi-fi. Cedi para não
me zangar. Não haveria problema se
falássemos, mas tu nunca falavas.
A seguir ao pôr-do-sol íamos para casa,
tomávamos banho, e saíamos para jantar fora. Eu procurava um restaurante
acessível, de bom gosto, e se possível, discreto, sem a confusão dos dias de
férias de Agosto. Tu só perguntavas se tinha wi-fi? Quando o restaurante me interessava tapava
os ouvidos e entrava lá para dentro para marcar mesa, sem querer saber a tua
opinião. Sem internet, lá
conversávamos um bocadinho. Não interessava a conversa. Depois do jantar
passeávamos pela marginal, pelos vendedores ambulantes, até nos voltarmos a
sentar num bar qualquer para beber um copo, comer um gelado, descansar as
pernas. Até teres descoberto aquele bar com wi-fi.
Paravas sempre ali, porque eu vinha sempre um pouco mais atrás, na distracção
de todas as coisas da venda ambulante. No bar, ligavas-te outra vez à internet, e eu, olhava.