domingo, 29 de dezembro de 2013

O Dilema

Hoje, e pela primeira vez, talvez escreva qualquer coisa a pedido. Tudo começou ontem. O Alex é um amigo italiano que conheci em 2006 quando eu ainda estudava. Conheci-o em Lisboa. Um rapaz impecável, um amigo extraordinário. Desde então mantivemos o contacto. Este ano, o Alex vai passar a passagem de ano em Portugal e, sendo assim, fui passar um dia com ele lá por Lisboa. Foi então que a meio da conversa o Alex me perguntou:
"Mas por que é que voltaste? Por que não continuaste? Como te sentiste a voltar?".
Sinceramente, estas são perguntas que não gosto muito de responder. Tento sempre responder curto, mas o Alex, continuou a insistir:
"Por que é que voltaste? Como te sentiste a voltar?".
E, aos poucos, as perguntas transformaram-se:
"Como te sentiste ao voltar? Sentias-te bem cá?".
E eu. Eu comecei a desconfiar. Cedi:
"Sabes, às vezes, voltar também custa. Aquilo que existia quando fomos, muda, é diferente. A tua cidade mudou, e mesmo os teus amigos mudaram. Continuaram a vida deles e, quando voltas, ressentes-te desse pedaço que não conheces da vida deles. As histórias que eles falam entre eles, e que tu não conheces porque não estavas cá. Mas, esse não é único problema. Outro problema é que nós também mudamos. E depois, cá, as coisas já não são como eram dantes, também por nossa culpa. Sentimo-nos como se não pertencêssemos nem a um lado nem ao outro. Por um lado, é difícil sentir que o lugar para onde emigramos, e onde vivemos, é nosso, falta o passado. Por outro lado, o lugar de onde somos, também muda e não podemos esperar que quando voltarmos as coisas sejam como eram. Não podemos carregar no Pause quando vamos e depois no Play quando voltamos".
Nesse momento, ao caminhar, o Alex, estendeu-me a mão, e apertámos as nossas mãos. Então, percebi tudo. Continuámos a conversar, eu, o Alex, e mais colegas. O Alex contou-nos que tem uma possibilidade de poder voltar para Itália. Compreendo o seu dilema. O dilema do emigrante, é que, muito facilmente, nem nos sentimos de um lugar nem do outro. E, pelo meio, qualquer coisa se perdeu. Entretanto, um outro colega, chateava-me:
"Tens de escrever sobre isso, tens de escrever sobre isso!".
"Não tenho nada", disse eu. 
Mas, hoje, e pela primeira vez, talvez escreva qualquer coisa a pedido. Talvez.


http://adriandevilliers.com/the-traveller-returns-to-his-roots/
http://adriandevilliers.com/the-traveller-returns-to-his-roots/
Pensamos que não conseguimos abandonar o lugar onde sempre vivemos, mas, não sabemos que, lá fora, existe um mundo que não conseguimos imaginar.
Pensamos que não conseguimos abandonar o lugar onde sempre vivemos, mas, não sabemos que, lá fora, existe um mundo à espera de nos ensinar.

Por vezes penso que, o problema não é o que pensamos cá deixar, mas o que pensamos reencontrar.
Por vezes penso que, o problema não é o que pensamos lá encontrar, mas o que de nós vamos achar.



Quando vamos, nada sabemos sobre a vida noutro lugar. Então, somos obrigados a aprender, somos obrigados a voltar a olhar para as coisas como as crianças olham: pela primeira vez. É este retrocesso que nos transforma e que nos muda. Tal e qual como crescer faz de uma criança um adulto, emigrar faz de nós uma criança. E todas as crianças chegam um dia a adultos. Quando voltamos a ser adultos, não somos os mesmo adultos que éramos quando saímos do nosso país, da nossa terra. É então que, quando voltamos, sentimos o abismo. Um buraco na nossa história sem que exista uma peça que encaixe, que o tape, que o sele. Esse buraco é do tamanho de todos os lugares do mundo que conhecemos para além do lugar onde crescemos. Porque, em cada lugar do mundo, existe uma peça à espera de a descobrirmos, e que se encaixa dentro de nós.
Muitas vezes, quando estamos lá fora, pensamos por que é que lá estamos? Outras vezes, quando voltamos, pensamos o quanto é que ainda temos daqui, o quanto é que ainda somos daqui?
Despedi-me do Alex com um forte abraço e um grande sorriso. Mas, quando voltava para casa, no carro, deixei-me pensar. Talvez me tenha deixado influenciar pela quadra festiva, mas não deixei de associar que emigrar e voltar, às vezes, parece-se com aqueles bolos redondos que têm um buraco no meio. Partimos de um lugar e emigramos até completar a volta. Não interessa por quanto tempo voltamos, mas voltamos. Mas, pelo meio, não deixa de existir um grande buraco dentro de nós, na nossa vida.
Aproveitei o balanço e, quando cheguei a casa, não resisti em comer uma fatia de Pão de Ló que ainda sobrou do Natal!

Bom Ano Novo!

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