sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Quase quase quase... Um Conto de Natal - PARTE V







PARTE V – A VERDADE

Hoje regressamos à casa dos meus avós. Melhor, à casa que era dos meus avós, e que, o meu pai, herdou. Possivelmente, este ano, vai ser o primeiro Natal que não vamos passar nesta casa. Não sei. O meu pai quis vir ver a casa. Ainda não sabe se a vai vender ou se vai ficar com ela. Eu vim com ele. O meu irmão e a minha mãe ficaram na nossa cidade. Hoje está frio. São os primeiros dias de neve do ano. É o fim de Novembro. O meu pai, está a dar voltas à casa e vai dizendo que é preciso fazer algumas obras. Eu estou a limpar o pátio, da primeira neve do ano. O céu está azul, mas hoje já faz muito frio. O vizinho também está a limpar o pátio dele. Pergunta-me se sou o Hans ou o Derek. Não sei onde está o meu pai agora. Mas já estou um bocado cansado. Sento-me nos dois degraus que dão para a porta da entrada de casa. Sempre gostei muito de visitar os meus avós, mas este ano, é muito triste vir a esta casa, sem eles. Olho para um lado e para o outro da rua. Nesta rua, as pessoas são maioritariamente idosos, pessoas como os meus avós. Não há muito movimento, e os poucos carros que passam, devem ir para outros bairros, ao lado, ou mais longe. Volto a olhar para o céu azul. Está bonito. E vejo. Vejo rastos de trilhas brancas na cauda dos avião! E lembro-me. Lembro-me do dia em que o meu avô, me explicou o que são. Foi neste mesmo pátio. Numas férias de Natal. Não sei quantos anos tinha. Devia ter uns seis ou sete. Talvez já tivesse oito anos. Foi a primeira vez que vi trilhas de aviões! Eu acho que, nesse ano, o meu avô deu-me uma moto de lagartas telecomandada. Aliás, eu lembro-me muito bem desse dia, porque foi um dia estranho. Achei os meus avós um bocado estranhos. Às vezes, quando me recordo dos meus avós, recordo esse dia. De manhã, pouco depois de acordarmos, brincava na sala. Na sala, montei um castelo que os meus pais me ofereceram. Tinha colocado o manual de instruções sobre o sofá. De vez em quando levava uma peça junto do manual para confirmar que era essa. Uma peça caiu para a lateral, ficando entalada entre o braço do sofá e o assento. Quando procurei a peça encontrei uma fotografia. Era uma fotografia a preto e branco e não reconheci quem era. Perguntei à minha mãe se era o meu pai ou o meu avô. A minha mãe, pensava que eu tinha andando a vasculhar em algum lado que não devia. Disse-lhe que não, que tinha encontrada a fotografia no sofá. A minha mãe disse que, também ela, não reconhecia aquele homem, mas que, provavelmente não era o meu pai, talvez o avô Franz. A tia Eva também não sabia. Os meus avós tinham saído ainda antes de acordarmos. Continuei a montar o castelo e acabei antes de eles chegarem! Depois eles chegaram. O meu avô, confirmou que era ele na fotografia e mostrou-nos mais fotografias, de álbuns, que tirou de dentro de uma gaveta. Talvez ainda lá estejam. Talvez vá lá espreitar, quando for para dentro de casa. Depois, aconteceu o mais estranho. Por alguma razão viemos brincar cá para fora, já não sei se foi logo a seguir às fotografias, se a seguir de almoço. Quando ia para a rua, lembrei-me de chamar a avó, que não estava connosco. À entrada da porta da cozinha acho que a avó falava sozinha, porque não estava lá mais ninguém. Dizia qualquer coisa como: “O nosso azar é vivermos todos os dias”. Só memorizei esta frase porque a seguir o avô disse uma frase parecida. Mas isso já foi lá fora quando estávamos a brincar. Eu comandava a moto de neve. Fazia oitos pelo pátio, em volta destas duas árvores, até que, ao virar-me, na direcção do avô, para continuar a ver a moto, vi o avô a olhar para o céu, com uma concentração diferente, longínqua. Também olhei. Vi um grande azul. Fui ter com ele, e perguntei para onde olhava. Ele respondeu qualquer coisa que não me lembro e depois disse:
“A nossa sorte é vivermos todos os dias. Não te esqueças, Hans.” E antes de terminar “Nada, Hans. Não me ligues. O teu avô está a perder o tino!” E foi por isso que fixei. Voltei a olhar para tentar ver se via alguma coisa, para acreditar no avô, e foi então que vi aviões a deixar um rasto de fumo. Apontei. E ele explicou-me sobre as trilhas de avião!
Mas onde está o meu pai? “Pai?” Grito. Não tenho resposta. Entro dentro de casa. “Pai?”. Nada. Ainda bem que os meus avós nunca dispuseram muitas fotografias, aliás, quase nenhumas, pela casa. Agora, seria muito triste encontrá-las. Não vou abrir a gaveta. Eles morreram há pouco tempo. Vou à casa de banho e qualquer coisa fixa-me ao espelho. Quando era pequeno não me conseguia ver neste espelho. O meu pai, ou o meu avô, tinham de me pegar ao colo. Agora estou aqui sozinho. Os meus avós devem-se ter olhado todos os dias neste espelho, todos os dias que aqui viveram. Que memórias, este espelho, terá deles? Pergunto-me, como se os espelhos tivessem memórias! Se tivessem, poderiam contar-me todos os dias dos meus avós! Como se lembrassem dos meus avós! Como se, amanhã, se lembrassem de mim! Mas são apenas seres inanimados. Como se podem lembrar? Jamais os seus rostos serão novamente projectados por este espelho. Nada mais, além da realidade, e da verdade, podem reflectir. A mentira nunca poderá estar neles. O que não existe, não pode. E todos os dias nos dizem a verdade. Todos os dias, o que somos, por fora. Dizem-nos. A verdade, a verdade é que vivemos todos os dias. Ouço o meu pai a chamar-me. Deve estar na sala.
–“Vais ajudar-me a levar algumas coisas para o carro. Temos de arrumar outras coisas aqui em casa. Mas primeiro vamos almoçar à cidade que eu estou cheio de fome!”
Dizem que eu sou parecido com o meu pai. Não sei se é verdade. Ainda não perguntei a um espelho! A verdade, verdade, é que vivemos todos os dias.

1 comentários:

Carolina Portela disse...

Adorei!! =) quando escreves um livro? Óptimo 2013!! Beijinhos

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