sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Quase quase quase... Um Conto de Natal - PARTE II











PARTE II –O ROSTO

É sempre assim quando chega o Natal. Os filhos, as noras, os netos, e eu e Franz. O Natal já passou e falta menos de uma semana até ao ano novo. Lá em cima, nos quatros, ainda estão todos a dormir, mesmo Franz. A cada ano que passa os netos estão maiores. Claro que estão. Que outra coisa haveriam de estar? O Hans é muito parecido com o pai dele, o meu filho. Lembro-me bem de, quando éramos eu, Franz, os dois miúdos, e os meus pais ou os pais de Franz. Hans é tal e qual o seu pai. Em tudo. Este Natal senti uma dor lancinante ao ver os meus netos. Dos meus olhos, parecia que, em vez dos meus netos, via os meus filhos. E vinham-me recordações. Memórias. Recordações. E assustei-me. Em mim, pouco ou nada sinto de diferente, desde o tempo dos meus filhos para o tempo de agora, dos meus netos. Será assim mesmo? Como não me posso sentir diferente? Sinto-me mais cansada, sim. Sinto uma lassidão que antes desconhecia, sim. Mas curioso é, que sinto, também, que nunca perdi qualquer coisa dentro de mim, qualquer coisa que nunca mudou, não sei se, a minha voz (interior?), se, a minha forma, se, o meu eu? Há qualquer coisa em nós que parece imutável. Eu sei que Franz guardou quase todas as nossas fotografias. Acho que estão numa gaveta do móvel da sala. Vou ver. Cá estão. Eu aos dez, eu aos vinte, eu aos trinta, quarenta, cinquenta. Franz aos dez, vinte, trinta, quarenta, cinquenta. Nós. Não me recordo da maioria das fotografias. Olho para as fotografias como que espantada por aquilo que éramos. Uma fotografia, um momento infinitesimal da nossa vida, um sopro de tempo, que um dia, mais tarde, nos assombra na mesma proporção para a distância a que foi tirada, como se todo o tempo entre a fotografia e o agora pesasse. Há uma fotografia de Franz que me capta a atenção. Talvez seja por me fazer recordar os dias em que o conheci. Deve ter sido tirada mais ou menos nessa altura. Tem o corte de cabelo de então, e acho que reconheço o blusão. Andávamos os dois na Universidade. Ele era estudante do segundo ano e eu do terceiro. Sim, eu sou mais velha do que ele. Ele era um homem alto e esguio, magro. Bonito. Gostava muito do cabelo dele, macio, e louro como o ouro. Nesse tempo era fácil apaixonarmos, porque nada sabíamos. Assim, era fácil iludirmo-nos. Confundir paixão com amor e beleza com belo. Talvez me esteja a cair uma lágrima. Acho que estou a ouvir barulhos lá de cima. Alguém deve estar a acordar. Deve ser Franz. Não quero que ele me veja assim, vulnerável, nervosa. Com alguma pressa, volto a colocar as fotografias dentro da gaveta.
–“Bom dia!”, diz Franz.
–“Bom dia! Precisamos de ir ao centro.”
–“Está bem. Agora de manhã?”
–“Sim, se puderes.”
–“Pode ser.”
Tomamos e pequeno-almoço e saímos. Lá em cima, mais ninguém acordou.
Desde que vi as fotografias que estou nervosa. Não sei porquê. Parece que tenho medo de mim própria. Não sei o que se passa. Fizemos algumas compras de supermercado, poucas, tomámos um café numa pastelaria e agora voltamos para casa. Subimos por uma rua e sigo um pouco atrás de Franz. De vez em quando ele pára, olha para trás, para mim, e eu sorrio. Ele sorri de volta, mas ainda não sei ele percebeu que não estou muito bem. Por isso é que me deixei ficar um pouco para trás. Talvez, até, nem tenha feito de propósito, mas este estado absorto, distrai-me da banalidade. Agora ele parou mas espera por mim. Baixo um pouco a cabeça e dou-lhe um toque com o cotovelo para seguirmos. Mas espera, digo eu. Peço a ele para levar os sacos. Ele leva. Chegamos a casa. Hans, vem lançado, e abraça-me. Quase que caio porque tenho os sacos na mão e não me consigo equilibrar.
–“Tonto!”
Não estou bem e é melhor fugir por um bocado. Vou-me distrair para a cozinha, sozinha. O Franz parece que vai para a sala com os netos. Primeiro fui vestir qualquer coisa mais confortável. Quando subia as escadas parece que ouvi falar em fotografias? Não pode ser. Devo estar mesmo nervosa. Não sei porquê este estado. Como se eu nunca tivesse olhado para aquelas fotografias antes. É melhor concentrar-me nas coisas da cozinha. Vou para a cozinha arrumar as compras, poucas, não há muito para arrumar. Da sala chegam-me alguns risos. Devem estar a brincar. Mas não, não. E ouço Maike a perguntar:
–“Achavas a avó bonita avô?”
–“Sim, a tua avó era muito bonita!”
–“E ainda achas a avó bonita?”
E deu-me um baque……….fiquei tão atemorizada que não ouvi a resposta. Provavelmente, é melhor não ter ouvido. Respiro fundo e penso que é melhor ir até à casa-de-banho. Entro na casa-de-banho e não evito, não evito. Olho-me ao espelho. Entre mim e o espelho o tempo pára. A vida pára. Porque de um lado e do outro somos iguais, somos o mesmo, somos o mesmo rosto. E. E é então que me vem à cabeça, a ideia do azar, do nosso azar:

0 comentários:

Pesquisar neste blogue

Contador

O tempo

Esperar, como todos sabemos, demora tempo a passar. Quando me sentei naquele banco de jardim não tinha qualquer intenção de pensar o que aca...

Popular Posts

Blog Archive

Acerca de mim

Simplesmente, alguém que gosta de ler e escrever...